quarta-feira, 20 de julho de 2011

"O desafio é maior do que a gente imaginava". A constatação do deputado padre João (PT-MG), ao ser apresentado ao quadro atual do mercado de agrotóxicos - dominado hoje por apenas 13 empresas responsáveis pela movimentação de cerca de US$ 48 bilhões ao ano no mundo e US$7,1 bilhões no Brasil - indica que as causas e efeitos da produção e consumo dos venenos agrícolas têm dimensões ainda desconhecidas pela maioria da população.

Em ausculta técnica realizada na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (12/7), a gerente de Normatização e Reavaliação da Anvisa e responsável pelas reavaliações toxicológicas dos agrotóxicos, Letícia Silva, e Vinicius Freitas, representante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e dirigente do SINPAF, expuseram aos parlamentares da subcomissão especial sobre o uso de agrotóxicos aspectos da produção e comercialização dessas substâncias no Brasil e no mundo.

Pressão

A especialista da Anvisa apresentou um balanço da indústria brasileira de agrotóxicos no último período. Em 2009, o país contava com 2.195 marcas de agrotóxicos registradas, relacionadas a 434 tipos de agrotóxicos. Naquele ano, foram vendidas 789.974 toneladas de defensivos. Entre 2000 e 2009, o crescimento das vendas no Brasil foi o maior em todo o mundo, atingindo valores superiores a 100% a partir de 2007 - quando o Brasil assumiu o posto de maior consumidor de agrotóxicos do globo. As importações tiveram aumento de 391,68% no período. Os agrotóxicos - muitos deles banidos em outros países - vêm principalmente dos EUA, Alemanha e China.

Segundo Letícia, essa situação se relaciona à dificuldade de atuação dos órgãos fiscalizadores e avaliadores, que têm seu trabalho reiteradamente obstruído pela pressão que as empresas fabricantes exercem sobre as diferentes esferas do poder público. "Recebo e-mails com acusações de que as avaliações são ideológicas, mas todas foram realizadas pela Fiocruz, por doutores. Há vários pedidos por parte de parlamentares para a retirada da competência de avaliação da Anvisa", relata.

As tentativas de impedir o prosseguimento das avaliações também acontecem no campo jurídico. “A Anvisa conseguiu concluir a reavaliação de seis substâncias com cinco ações judiciais. Infelizmente, o Judiciário é despreparado e desconhecedor desse tema”.

Limites

Um quadro comparativo entre o organograma da divisão de agrotóxicos da Agência de Proteção ambiental dos EUA, que conta com 854 técnicos, e o da Anvisa, que abarca apenas 23 técnicos e 4 gestores revela os limites de atuação do órgão. "Somando Ibama, MAPA e Anvisa, são menos de 80 técnicos. São as mesmas equipes que fazem a fiscalização das fábricas e coordenam o programa de análise de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos, além de várias outras atividades. Isso demonstra a extrema fragilidade das instituições brasileiras para fazer esse controle", conclui.

A diferença entre as taxas cobradas para pleitos de registro de novos ingredientes ativos também pesa. “Nos EUA, as taxas são muito maiores que as do Brasil”, conta.

"Essa comissão pode nos trazer muitas luzes, e nosso desejo é buscar fortalecimento das estruturas adequadas para que se possa cumprir com o papel estabelecido pela Constituição", concluiu Letícia, destacando a necessidade de priorização da análise de pleitos que cumpram com determinados requisitos de interesse para a agricultura nacional, associada ao estabelecimento de mecanismos públicos de controle.

O representante do Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, Vinícius Freitas - que também é dirigente do SINPAF - apresentou a estrutura e funcionamento do grupo de trabalho, do qual participam organizações governamentais e não-governamentais, sindicatos, universidades e o Ministério Público.

Para ele, entre os aspectos mais preocupantes relativos aos agrotóxicos estão a manutenção, no Brasil, do uso de substâncias proibidas em vários países, o impacto da expansão dos transgênicos sobre o uso de agrotóxicos – no Brasil, 80% das liberações de transgênicos estão associadas ao uso de herbicidas – e a velocidade crescente na liberação dos Organismos Geneticamente Modificados. “Estas questões exigem ação imediata”, avalia.

Na avaliação de Vinícius, não existe consumo seguro de agrotóxicos em um universo que abrange 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, ou 36,75% do território nacional.

Para ele, a agroecologia se configura como alternativa viável de segurança alimentar e justiça ambiental em oposição ao modelo que utiliza agrotóxicos. “A gente sabe que quem produz alimentos é a agricultura familiar, cuja potencialidade é produzir num país diverso em espécies, animais e plantas, como o nosso. Precisamos promover a vida, as relações sociais no campo, fortalecer circuitos curtos de comercialização como solução para a fome - inclusive para a fome no campo”. O dirigente acredita ser preciso investir, por exemplo, na reformulação dos cursos de agronomia e no resgate da assistência técnica pública. Assim como foi desenvolvido, por parte do Estado, um modelo baseado na dependência de pacotes tecnológicos, por que não mudar o aporte para a agroecologia?”, questiona.

Como propostas do Fórum para o Parlamento, estão a revisão e melhoria das leis no que tange à propaganda e publicidade de agrotóxicos, pulverização aérea, incentivos fiscais e transição agroecológica.

Apoio do Parlamento

Os deputados presentes ao debate se mostraram surpresos com as informações apresentadas. "Sabemos que o agronegócio muitas vezes se coloca como vítima, quando na verdade quer manter esse cenário que vocês expuseram para continuar lucrando em prejuízo da saúde humana. Essa comissão vai ter de rever estruturas de alguns órgãos, como a Anvisa", defendeu o deputado Amauri Teixeira (PT-BA).

Para Nazareno Fonteles (PT-PI), os dados “precisam ser mais socializados e atualizados para aqueles que se interessam pela causa, quer pela questão da saúde, ambiental ou defesa da agricultura alimentar. Sabemos da resistência da oposição desta casa sempre que se quer fortalecer o Estado, mas vemos que na área da saúde não pega, porque a população sabe da importância”.

Na avaliação de Padre João, proponente da ausculta, o atrelamento do capital com outros poderes fragiliza a fiscalização. “Há muitos esforço para desmoralizar serviços técnicos. Agora temos desafios e não podemos recuar”.
Por Maria Mello
Do Sinpaf
Fonte: Site do MST

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