O primeiro passo para resolver um problema é conhecer-lhe a essência e
as suas causas. Quando isso não acontece, ficamos circulando em seu entorno,
buscando-lhe arremedos paliativos que, obviamente, não resolverão. A tendência
é a sua perpetuação, agravando as suas implicações com o passar do tempo. A
ocorrência de secas no Nordeste é um desses problemas para o qual nunca se
buscou soluções definitivas. Não convinha, como não convém, que elas aconteçam.
Quando não existir mais flagelados pelas secas, seca (o trocadilho é
proposital) a fértil fonte de sobrevivência política de muita“gente boa”. E não
são apenas aqueles velhos conhecidos“coronéis” do Nordeste. Eles continuam
firmes, mas agora convivendo (quem haveria de convir!?) com muitos daqueles que
no passado, nem tão remoto assim (coisa de pouco mais de dez anos), lhes
ridicularizavam, adjetivando-os com expressões impublicáveis. A “safra” está se
renovando e agora já não mais fazem questão de distinguir gregos de troianos.
Se é que me faço entender.
Nestes dois anos os registros de pluviosidade no Nordeste semi-árido,
incluindo ao menos quinze municípios maranhenses, sinalizam que estamos diante
de uma das maiores, se não a maior seca dos últimos cinqüenta anos. A paisagem
que se observa em boa parte deste sofrido pedaço de Brasil é de calamidade.
Mortandade de animais por falta de alimentos e de água. As lavouras não
produziram ano passado. Não produzirão neste ano.
Uma cena que não é novidade para quem conhece o Brasil. Ela se junta às
calamidades das avalanches do Rio de Janeiro, que desabriga, ou desaloja,
centenas de famílias e mata outro tanto de pessoas, por excesso de chuvas.
Tragédias anunciadas em que governantes nos níveis federal, estadual e
municipal, lá e cá, apenas buscam soluções paliativas. Nada de ir fundo nas
causas, nem de buscar soluções definitivas. Li na imprensa que, por ocasião da
avalanche no Rio de Janeiro, o Governador assistia nos EUA, descontraidamente
com o filhote, a uma partida de basquetebol. Ninguém é de ferro! A Presidente,
em plena crise no Rio de Janeiro, direto do Vaticano, atribuiu a culpa pelo
desastre às populações que insistem em morar naquelas áreas de risco.
Guerrilheira como exaltou o seu companheiro de partido, anti-capitalista (como
dizia quando era conveniente nos tempos das vacas magras), atribuiu àqueles,
que não tem alternativa de morar em lugar mais seguro e digno, a culpa por
perecerem ou verem os seus parentes morrerem soterrados. Na cabeça dela, do
Governador, dos Prefeitos, as pessoas estão ali porque querem. Estranho querer!
A Presidente veio ao Nordeste lançar o plano de “combate à seca”. Como a
seca é um fenômeno meteorológico, que consiste na má distribuição espacial,
temporal e quantitativa de chuvas, provocado por uma complexa sinergia que envolve
movimentos de marés, deslocamentos de massas de ar frio e seco, dentre outros,
fica difícil imaginar como algum terráqueo (mesmo com os poderes sobrenaturais
que ela acredita ter) poderia “combater” semelhante combinação de fatores
físicos e naturais. Com ela vieram o Ministro da Integração Nacional,
governadores do Nordeste (não vi a Governadora do Maranhão, talvez porque por
aqui não haja seca e tudo esteja correndo às mil maravilhas) e, pasmem o
Presidente do Senado. Ele mesmo. O “grande criador de gado” das Alagoas, figura
carimbada do coronelismo regional. Sentado à direita da deusa-mãe, a
administradora intransigente com “mal-feitorias” que, segundo o que a imprensa
divulga, costuma tratar com dedo em riste os seus subalternos-bajuladores
(inclusos membros do Congresso). O Presidente do Senado, outrora desafeto,
caprichava na pose concentrado no texto em que mais tarde faria afagos aos egos
das empregadas domésticas, em cadeia nacional de televisão pago por nós que
trabalhamos duro para sustentar as “bondades” dessa gente. Discurso de bom
moço, que sempre se preocupou com causas nobres. Não poderia deixar dúvidas nas
cabeças dos telespectadores de que a PEC das empregadas domésticas apenas
passou porque ele esteve firme, defendendo-lhes os interesses contra patrões
escravagistas (na linguagem dele) da classe média. Todos juntos em Fortaleza,
numa comitiva cujo deslocamento e hospedagem devem ter custado bem mais do que
o volume dos recursos anunciados. A presidente, ao lado de todos com a
aparência séria e contrita, como convinha ao momento, anunciou como principal
medida de “combate à seca” a utilização dos outrora execrados caminhões-pipas.
Não se falou em medidas estruturantes, ou em ações que resolvam, em
definitivo, o problema. As Bibliotecas das Escolas de Agronomia do Nordeste e
da EMBRAPA estão abarrotadas de trabalhos mostrando alternativas de produção
agrícola com escassez pluviométrica. Podem-se ainda fomentar atividades não
agrícolas geradoras de ocupação e renda em áreas com deficiência hídrica. Mas
disso não se cogita. Melhor “combater a seca”, via carros-pipas. Prá
quem“acabou com a pobreza extrema” transferindo ‘setentinha’ de renda, será
moleza “eliminar a seca” via água de carro-pipa. Os Nordestinos, e Celso
Furtado em seu leito tumular, podem ficar tranqüilos. Os ainda vivos não
precisarão mais emigrar para os estados do Norte. O paraíso agora é aqui!
Noticias do Campo
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